terça-feira, 12 de março de 2024

menina dança

A menina dança

Integrar o canto, o cisco e o olho
Achar a dança
Integrar as partes 
Condoídas
As feras feridas
Os olhos fechados
O movimento
Integrar a menina
Até o sol raiar
Até parir a menina
Que já não brinca
Que já não dança
Que já não há

garota material

Material girl

As garotas de plástico 
Surgiram como um engodo
Vomitei nelas meu sumo rosa
Fiz delas vudus modernos
Desses que só o fogo transforma
Triturei sem piedade
No fim, a mim mesma
Elas idolatrei
Como aos ídolos modernos
Que só nas telas
Que só no fogo
Pode transformar

era perdida

Uma era perdida
Que era futuro
E ficou no âmago 
Do passado
Uma era das flores
Onde os amores
Antepassados
Uma era de paz
Onde só jazz
No passado

Quero reinaugurar 
Sem cascas 
Essas máscaras
Na mudez das plantas
Na nudez antas
Pelo mato

Tirar por fim o sapato
E pisar no presente
Chão quente
De então

é sobre isso

Sim, garota
É sobre isso
Nas costas do vento
Feito raio ou nuvem
Nas encostas do tempo
De arenito
No mármore dos céus
Na casa de Deus
É sobre isso
Os caminhos sem pontes
A areia movediça 
O cavalo branco perdido
Andando em círculos 
Na neblina
Esperando com chuva
O milagre molhado
Na paisagem cinza

busto

Um busto,
Uma estatueta
Um busto
Peito e rosto
Robusto
Um busto
Um prêmio 
Uma coisa

revoa

Meu pensamento revoa
Os olhos que não são meus
No breu divagam
Pensamento sonâmbulo
Recortou
Na figura descampada
Sem brilho familiar

virgem

Santa virgem
Viril imagem
Vejo

Algo do desejo
Alga do mar
Algo feito beijo
Desrespirar

Cabeça coroa
De rainha
Do mar

Cabaça aludir
Luzir, criar

Cria do desejo
Ensejo 
Me dar

soslaia

De soslaio
No marasmo
Do narcisismo

Na fazenda
Astral
No abismo

Não me siga
Que não sou
Novela

Diz ela

Mas o drama
É presente
Interino

Água do ventre 
Que reprimo

saturnina

Saturnina
Na miséria de si
Poeira do tempo
Cisco incômodo 
Nos olhos da Deusa

Dispersa
Na diáspora feminina
Distorção  nuclear
A célula mãe
Está em pauta
A alegria 
do encontro 
desapegado
Onde a água flui
Feito vento
Vaporosa

Criança que brinca
E não se preocupa
Com a besteira
do mundo
A ovelha perdida
Na cabeça do Cristo
Aquela que se esgueira
 nos vales e montes
Entre as pedras
Buscando a si
Não nos rebanhos 
Mas nos resguardo
Nas arestas da alma
Onde apita a complexidade
E se desfaz em simples
O Mistério

crucificadas

Crucificadas
Todas as vezes
Que esse olhar hostil
Nos atravessa
Cheio de espadas
Cheio de cruz
Martírio
Delírio

Sanidade hipócrita 
Dos homens de bem
Aberração 
Do espelho distorcido
Tecido vivo
A pele que habito
Simulacro que cala
Verso afanado
Pelo inverso
Perverso
Pervertido
Janela vesga
Mão que se toca
Na toca da coelha
Loba, onça, pintada
Galinha dangola
Guiné da selva
Só viva, ela
Cósmica gosma
Sumo humano
Feminino santo
Profanação 
Uma nação fêmea 
Que sangra e não
Que pari e não
Mas sim
Uma fenda 
Senda cósmica

sexta-feira, 10 de março de 2023

despeito

Quais histórias têm um peito
Que sociedade excluí?
É que o padrão não conflui
Á beleza do meu jeito?!
Nos dizem que é imperfeito
E que somos indevidas...
Somos mulheres paridas
Que aos filhxs têm nutrido
E se o peito está caído 
É que ergueu umas vidas

Não troco minhas "mochilas"
Pelos "melões" de ninguém 
Cada um sabe o que tem
Quer saber? Entre na fila
E se peito em pé desfila
O que é sorvido se explode
Deseja, ama e fode
Nutre, acalenta, protege
Valente do amor que rege
Não pode não? Por que "mode"?!

Que se dane o que é "mostrável"
Exibível,  desejável...
Te agride o não-padrão?
Você evita o olhar?
Imagina o que não há
Para poder ter tesão?...
Coitado do safadão
"Sofrida a vida do crente"
Faz "linha pai", é ausente
Sábio, intelectual
Um trabalhador braçal
Posta músculos pra gente

Se a barriga é "deformada"
Feito professaste um dia
Compreenda a poesia
É por que já foi morada.
Faz que é nosso camarada
Mas acredita hororoso
Um ninho misterioso
Acalentador de um feto
Que precisou de afeto
E de um teto fabuloso

Enquanto a gente paria
Você vibrava outro peito
Nem a cicatriz direito
Deixou que ficasse fria
O verso e a poesia
Noutro endereço o confeito
E a outra escreveu com jeito
Nem indireto ou lacônico:
"Sou um eterno platônico 
Penso em ti todo dia"

Enquanto isso, eu me via
Um portal que conseguiu
Plena do que se seguiu
Com um rebento no peito
Mas você não tinha jeito
Nem verso nem comoção 
Faltou-nos na gestação 
Não há como ser desfeito

Prosseguimos desse jeito
Mas a mágoa obstruiu
Não só o peito caiu
Com as sobrecargas no peito

Culpa de ter aceitado
Tudo o que verso em refrão
Resiliência, perdão
Bom e ruim foi abraçado 
Agora o joio em qual lado?
Falta encontrar esse fim
E já não tiro por mim
Não tenho resposta pronta
Parece chegou a conta
Gatilho ficou assim

Tentar ter os pés no chão
Tentar tudo a cada passo
Não tentar, minguar compasso
Ficar de novo sem chão...
Eterna lamentação 
Irmã, procura lutar
Quem aguenta escutar?
Nem amiga aguenta não
"Deixa esse caba do cão
Passa a te valorizar"

Rusgas, cicatriz no reto
Flacidez, diáse, estria...
É por que guardou a fia
"Por ter carregado um feto"
Meu amigo, fique esperto
Não seja tão imbecil
Essa tua fala hostil 
Tu acha mesmo correto?!
Stalkear as meninas...
Os tesouros, as rotinas
Em um espelho incompleto

É Hipocrisia fina
Dizer o que quer dizer
Entre os macho, há de saber...
"Parceiro"- não recrimina
Quero ver dizer às minas
As asneiras que tu dizes
Venha dizer às nutrizes
O que por trás tens falado
Fica feio pro teu lado
Tu pode ser cancelado

Sabe a força feminina?
Machucou profundamente
Teu machismo indecente
Na Hipocrisia escondido
Bancando o evoluido
Doutorando, pos-doutor
Pois faça ao mundo um favor
Aprenda a honrar seu cacho
Se ligue, ô esquerdomacho
Teu discurso é um horror

Tu também saiu por baixo
Do ventre de uma mulher
Resteita mamãe, na fé..
Deixa do teu esculhacho
Contempla a nossa rotina
Se dispõe a aprender
Pra poder algo tecer


Vou sentir ódio de mim?
Vou querer me multilar?
Cortar meu corpo, rasgar?
Por que sou o que é "ruim"?
Quem decretou que é assim?
Que tem que haver padrão?
Vai te danar, canastrão
No teatro eu sou versada
E mentira deslavada
Percebo logo,  irmão

Quem disse que é assim
Que é como vc diz?
Que pra me sentir feliz
Tenho que me encaixar
Cortar e siliconar
Padronizar o meu ser
Quero o gosto de viver
Fluir e me expressar


É uma ode a magreza 
Beleza plastificada
Também não ser desbundada
"Descuidada" da beleza
Se raspe, pinte, depile
Realce, cace, compile
"Traços negroides afile"
"Não pode ser desleixada"

"Feche as pernas", agora abra
Faca pra mim a dancinha
Besteira ser enganada
"Posso te dar uma calcinha?"
- igual a da Ercilinha?
" Não exponha, fique calada"
Eu vou te comer, safada
Seja a minha putinha...
Mas puta é mais 5000
"Porém vc é só minha"
É o linho e a linha
É a paz que vem na guerra
Pega tudo isso e enterra
Para não ficar sozinha...

Se permita ser xingada
E de leve enganada
Vc aprende, gatinha
Ser corna mansa é aposta
Engula a conversa bosta
E Procure andar na linha

Mas se dele a despedida?
"Vá viver a sua vida
Diz o dito popular:
Quem cuida da vida alheia 
Da sua não pode cuidar.

E se o peito está caído
Já te livrou de um marido
Amém, axé,  oxalá!












quarta-feira, 3 de novembro de 2021

cartilha sem título

Irmã,
você que me trança
Que transa o que bem me quer
Que me pinta, me enfeita
Põe olhos em mim, me ajeita...
Podes assim me dizer
Tudo aquilo que vier
Não tenha medo de mim
Não tenha medo, mulher

Não sou feita de açúcar
Entro na chuva com fé
Você pode me dizer
Tudo aquilo que quiser!

Solte o dedo e a palavra
Gaste aquilo que te agrava
Liberta o que é, e não é
Sem apego, solta a trava
Sem retaguarda, é filé!

Uiva, loba, ladra à lua
Sem medo de mim, perua!
Pavoa, diva, divina,
Centelha da grande Deusa...
És potência, sem retesa
Tesão, ternura, menina

Tens a sabida, não nego
A velha também te habita...
Mas considera a Sibita
Transparente, de olho cego
Olha, que há, no indizível
dizer que é forte e sensível
Sabedor dessa demanda
Bora deixar esse ego
Aos ventos não ter apego
Interagir cada banda

Soltar-se nesse espetáculo...
Soltar a tinta de polvo
Pigmentação de corvo
Liberar cada tentáculo

Podes ter raiva, e de mim
Não sou de vidro ou cristal
As janelas são espelhos
Somos mais que bem ou mal

Não tenha medo, mulher!
E me inquira, se quiser
Me chama mesmo, me chame
Que enfim a chama se acende
Quando expressa o que resente
Permite mais que se ame
E quando a gente se aceita
Nem tradição nem receita
Tem nada mais que difame

Podes trazer teu ditame
Tua receita, teu ser
Nem tudo devo comer
O que por cá se rejeita
Varia conforme a fome...
Podes dizer, faz teu nome!

Não tenhas medo não, home!
Sou o fracasso, não valho...
Não quero nada da vida
Corvo, conversa, espantalho
Mal do século, perdida...
Ser extremamente falho
Errante e tola me assumo
Não quero ser supra sumo
Auto algoz, sou indevida...
Só em avessos me espalho
E quando expresso, espantalhos...
É descaminho, é desvida

Não que me queiras saber
Mas me atrevi a dizer
E pelo verso, estilete...
E sim, Tenho uma revolta
Não é querendo dar voltas...
Mas "É verdade o bilhete"

Trago uma criança eterna
Além da lida materna
Que tem sido a minha guia
Ferimentos, crias, cascas,
Fagulhas, frestas e lascas
Ancora, mas alforria...
mais do que isso, é folia
Goma que apenas se masca...

Não quero ser nada, sou
Eu mesma, isso já me basta

Máscaras do dia à dia
Muitas aprendo a usar
cada uma me desevela
Movimenta o barco a vela
Vento que quer navegar
Por isso chego, e versejo
Parece inútil, mas vejo
Que faz sentido versar

"Letrada e oralizada"
Isso não quer dizer nada
Não é o cerne do assunto
O pico da pedra gelo
Não é mesmo a pedra gente
Jóia menina da gente...
Também não sou essa ponta
Sou alicerce e esteio
Sou colo, chão, fonte, seio
Vc não vê nem faz conta...

Você somente me aponta
E enquanto um dedo me mira
Tem outros três na tua conta




















sábado, 23 de outubro de 2021

chuva chamamento

Uma vez eu senti um chamamento
Era a chuva
parecia ouvir meu nome nas telhas
Descendo pelo metal das grades
Escorrendo na relva
Sugada pela terra

Tempos alucinados em que me ouvia na chuva
Em que a chuva falava na voz dos demônios
Em que os espíritos me acordavam no meio da noite
Na voz dos parentes, na voz dos mortos

A voz da chuva chia como um miado de areia
Quando nos permitimos a paz molhada
e o entorno não nos fere a alma rasgando o linho

Ainda existe voz na chama
da voz amarela de Oxum
Tamborilando os latões das calhas
entre espelhos de Orixá

Arrasta as folhas,
Abre sulcos
Lava

É mestra em amolecer durezas
penetrar certezas
Esborrar represas

É na voz da chuva
Que a sabedoria goteja
Fresquinha
No tempo morno
E evapora
Na sorte de um vôo

Suga pro centro da Terra
Voa no calor do magma

Na sabedoria da chuva
A planta se enlaça
É cipó

No mini mistério da fruta doce
Do dia quente
Na sabedoria da chuva
Que se faz mormaço

Chama
e amamento

sábado, 20 de fevereiro de 2021

desrima

A rima atrapalha o verso
Quem busca se igualar
sendo, no entanto,
um verso incomum.

Teme ser diversa,
incompleta,
pé quebrada,
sem saida...

Reverso cai na rima
feito o rio corre ao mar.
Mas verso água não é
Algo é, que subverte
Um pouco alga, Alce, ou alface..
Submerso
Sempre verso do avesso
Entranha estranha...
Mas se tem rima
De toda forma
Fica sóbrio
E afim
de ser obra
Resignado
à norma

sábado, 30 de janeiro de 2021

dragoa

Bafo de fogo
Vindo do âmago
Grande estrago
Preciso soprar

Nó na goela
Gola apertada
Não quero engolir
Tripa não é coração

Mulher Dragão
Anti heróica
Pulsando lava
Viva vulcão 

Abre essas garras
Solta essas asas
Roça as escamas
Nas lanças de caça 

Coragem, mulher 
Liberta essa draga
Quebra esses metais
Minas escava 

Drag dragoa
Solta essa correntes
Rio que escoa
As Águas serpentes 

Sete cabeças 
Sete cabaças
Rabos, asas, patas
Cobras e lagartas

A força acanhada
É nó que desata










sábado, 11 de janeiro de 2020

ave no metrô

Vasculhando imagens
Aves no metrô
Tempo que passou
Voando
.
Máscaras e lentes
Brotos de nenem
Carnaval que vem
De novo
.
E já faz 6 anos
E esses nossos planos
De viver e pronto
.
Ovo ave lua
Coisa de querer
Vida faz valer
Nasce sem saber
E solta
.
Soltos bichos 
simples
Garras dentes
pedras
Laços desenlaços
Cerdas
.
Raspas de maçã
Âmago e colher
Garfo faca concha
De mulher
.
Cria coração
Coisa casa chão
Trigo intriga e pão
.
Forma alma queima
Filme que não há
Tempo sem matéria
Hangar 
.

pari dois deuses

Pari dois pequenos deuses
Que me fazem chão
Mãos que buscam esferas
Dedos que buscam buracos
Olhos lascinantes, feras
Crateras, penhascos
Narinas gotejantes
Grutas esculpidas
Por águas salobras

Pari Deuses
Que me fazem chão
Me dormem leito
Me sorvem peito
Devorando vorazes
Em seus deleites
Minhas carnes e conceitos
Leite e confeitos
Lascivos de jeito

Os pari, e agora são externos
Dois deuses de feição mutante
Face sóbria de abismos
Velhos em pequenos corpos
Cheios do fugaz perene
E certa do presente hóspito
Eu pari dois deuses de feição




quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

antipoema

Poema que balbucia
Poema em silêncio
Que qualquer palavra restrige 
Esse verso poema vivo
Antipoema
Será carne animada?
Milagre comum
Cria
Poema misterioso
Que a gente nomeia
E é apenas ave
E somos apenas ninho
E cresce apenas
Feito planta
E apenas canto
Porque canta


segunda-feira, 8 de abril de 2019

Branco Balão

Relógio parado
Maçã distraída
Despedaça aos dentes
Do pecado sem perigo
Tripula o tempo, transita
Potência decola sementes
Terra pouso abrigo
O que medra morre
Ao medrar escorre
Ao correr decorre
O trigo que intriga
E cala a boca rama
Que vaia Roma
Contrario engole amor
E o silêncio devora as transgenias
Ávida nua se desola
Faz a maça de bola
E degola
O branco balão do pensamento

Saudade rima com idade

No inferno astral
Vcs me penetram como lança de caboclo

Me sinto gente ausente
Na liberdade do bloco
Na voz perdida da farra
Na mão no microfone
Na boca no trombone
Na letra do karokê

Penso num sítio grande
Unindo as crias
Gente junta
Ouvindo a palavra tio e tia
Sabendo que família é essa verdade solta

Na natureza ausente
Na distância do time
Jeito que reprime
Coração que mente
Um coro impertinente
Me pede que rime

Reprimo a tristeza
Não é ela que espero
Meu corpo pede os olhos incondicionais da amizade

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Página

Medo de te tocar, tocar com caneta no tempo. Planejar e descrever o criativo. Medo daquilo que salta. Sal das letras carregadas de imagens, sentidos, medos. Medo dos desejos; dos medos que são profecias nos versos, na página. Mas não é calar o templo irresoluto, o grito que existe latente. Coisa que não se ignora.

2016, vitória

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Soneto do gesto viajante


Entre as pedras servis da caminhada
Na penumbra do verso refecido
O intento de luz alcança e brada
Fina lua no sonho de um perdido

Desterrado, entre tantas caravelas
Na queimança da vida se resume
Imbuído em lembranças e costumes
No limite o sufoco lhe desvela 

O que há? O porvir, e é mistério
Orquestrar as faíscas do etéreo 
Onde águas são forças em moinhos

Somos peixes sem rotas em aquários
Compelidos silêncios entre ovários
Sem ter asas nem pernas nem caminhos

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

3 >

te escondes
te mostras
me ostras
me monstros



sei o que

Estrago, engasgo, garota
Gala, Galícia, marota
Culpa escrota

Delícia de xota
Poesia rota
Revolta
Caminho torto

Calo
Mudo
Pé ludo

Jogo de brincar

Detesto esse jogo compromissado com não sei o que

sábado, 16 de agosto de 2014

chave

como fosse uma arca
o menino me abre
tem chave sutil
tem tranca sutil
como fosse um baú
uma caixa marrom
uma cavalo de tróia
como se fosse uma arca
o menino tem chave
uma chave sutil
que dá chuva
nuvem de inseto
e estrela, lá longe
lá reta... no zênite
no eixo, navegante quieta
chave indireta, aberto
boneco de barro
de cera, de elo
boneca de estrela
de elo, de cera

2013

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

errante

burra e tola
me empurra a rôla
tudo o que rola
me emburra

emburrada me enraba
o jumento
e não acaba

transa sem acabamento
parando no andamento
adia adiamento
adiantado

no cabo me acabo
não dá cabo de se acabar
acaba à disseminar
e fica entregue
o jegue

sem cabresto nem cabimento
restrito o sortimento
e dentro tudo à embolar

penso que pensa outra
e o pensamento me tira
de onde devia estar

terça-feira, 29 de julho de 2014

fenix

barco de mudança
desenlaça a dança
calma e respiro
                 [de aceitação da sina
tecendo amor da sina

José nascido, Félix velho
de cento e dez anos
avô da lua

menina sem nome
 com nome deles
eu renascendo interna
respirando as águas

o que me aconselha o espírito


A. Mahin
Recife, julho de 2014

clamor inocente

parceiro, lambe meus seios
deixe de seus arrudeios
me arrudeie as curvas

latejam as vulvas
todas vulvas
na penugem das luvas
das chuvas das noivas

parceiro, aceito
teu direito e território
pau santo no oratório
devoto

devo devorar com ganas
os músculos da semana
conduzidos na pressão

dispensar mente
aguar semente
perdoar serpente
sem condição

parceiro, amarrado rabo
montando com segurança
e sem pressa

tua presa na minha nuca
presa selvagem confusa
tragada entrega
trégua

era vidro

mergulhei a mão na bacia sanitária pra apanhar o brinco de pérola
mas a tarraxa se perdeu no chão
desfez-se o elo do brinco
a orelha lisa canta o buraco livre
a orelha sem o pino de ferro

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

*) entre mar e lua

(às parceiras marina e luciana)

sou esse farol atravessado
entre a mutante lua
e a marina nua.
água bravia movida.

sou essa luz humana
conduzida, com sentido de porto,
busca, barca, balça, jangada.
alma embalada,
conduzida.

sou esse entre, luz menos que a lua,
mas quando se põe escondida
sou arranjo de luz nascente
à terra obscurecida.

entre as duas, sou esse ponto vago
e fixo. farol claro de encontro
da noite com o chegar.
do barco de embarcar.

na casa da mãe de arreia
graça, canção e sereia;
aquela que vem do mar.

domingo, 11 de agosto de 2013

al eu



aqui nem chove nem molha
como pai que só tem no cartório
ou nem.
aqui tempo paradão
cachorro preto acuou na porta
era matilha de rua
alcatéia de lobo urb
coleira até.
eu quase não saio...
eu quase
eu.
uivo ruivo violado
viola vila vilão
plebéia da eucatéia.

no correr da luta.

sábado, 27 de julho de 2013

# divergente diversa



Meu verso se dissipou
Discipulado avesso
Diverso e delgado
Verso delegado
A toga

Verve do verde
Verso voraz avessado
Tempo de diluir a pedra
Tempo de construir iglu

Tempo inverso
Verso de cobertura
De bolo, de jejum
Dividida dúvida
Dar de vida

Tempo de ser ouvida
Por mim

Verso de casa
Fogão, morada
Caverna avessa
Estrada interna

Tempo voz de aquietar
De caminho síntese
De planta proteica
Raiz plena

Templo mãos de limpar
O excesso pra acesso
Do disperso desempeço
Foco de centro ingresso

 Chão da terra
Pele boa

Tempo de acalentar matéria
Disciplina, cadeira, assentar
Mediação de inverno
Recolher os gravetos
do fogo

Tempo de consertar os canos
Síntese dos anos, luz

domingo, 16 de junho de 2013

rês suscita

Quero que o menino viva
com todo viva da gente
feito ser onipresente
deus humano e renascido

Consciente agradecido
luar reluz de repente
mês de junho referente
do milho melhor nutrido

Que seja semente rara
plantada na terra cara
abundante de amor

Que cresça com tao cuidado
pelo céu abençoado
grato lótus refrator

Que se enxergue essa luz
branca luz de toda cor
Observe o que conduz
e a que mares induz
o cuidado acolhedor

E sempre lembra, menino
do auto amor que se pede
do alto amor que se tem

Nunca te esquece, menino,
que a dor faz parte da graça
e sempre que rompe a casca
força infinita vem.







quinta-feira, 22 de novembro de 2012

cruz

quero matar o menino
com espada reluzente
vermelhar a terra quente
no caminho da igreja
quero matar o menino
ou qualquer cristão que seja

quero matar o menino
quero morrê-lo de dente
arrancá-lo do presente
enterrá-lo em minha fé
quero matá-lo e axé!

morre menino
morre menino me morre
sangra menino
sangra menino me sangra


gné da selva
20.11.12

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

quadras


(Quadras construídas em função da abertura da apresentação do texto “O médico volante” de Molière, 30 e 31 de maio de 2011, no Centro Cultural Correios, direção de Lívia Falcão).


Chegamos trazendo a festa
A farsa e os folgazões
As trovas, a alegria
A comédia e as canções

Polichinelos saltados
Saltimbancos canastrões
Arlequins, servos, criados
Figuras e fanfarrões

Nobres, burgueses, patrões
Dos negócios sempre ocupados
Não têm empregos, têm filhas
De casamentos marcados

Médicos, advogados
Profissionais liberais
Na oratória têm fé
Às vezes falam demais

Diz o dito popular
Pobre carece do pão
Precisa de trabalhar
Nos mandados do patrão

Criadagem, agregados
Também são da oralidade
Resolvem tudo na fala
No gesto, na amizade

Dizem que quem passa fome
Na vida fica sabido
Pois sabe que o mais importante
É estar forte e nutrido

Casais de enamorados
São audazes e altivos
Frontes febris, acamados
De corações aflitivos

Em estado meditativo
Fica a pessoa que ama
Sente gosto em estar vivo
Na leveza se derrama

Vi dizer que à paixão
Não tem remédio que cure
O fogo da chama é forte
Eterno enquanto dure

Eu como não tenho tempo
Nem dinheiro pra perder
Onde passo, encho meu copo
E não quero nem saber

Pois bicho que pula cerca
Não se afoga em ribeirão
Sei entrar e sei sair
Não dou trabalho a patrão

Sou prima e agregada
Dessa família em apuro
Muito nobre e mal cotada
Devendo e sem pagar juros

Pela santa inquisição
Imploro ao senhor, deveras
Foi mandado do patrão
Não vá me atirar às feras!

O dinheiro é coisa boa
Compra terras, compra gado
Só não compra o amor
Do peito dos namorados

Plantado um pé de paixão
Não arranca qualquer um
Só arranca alguém bem santo
Que tenha feito jejum

Um pé de amor foi plantado
Quem teve visão regou
Mais na frente alguém colheu
E os frutos, outro comeu

Senhores da medicina
Que têm estudos demais
Não sabem as minhas sinas
As raízes dos meus ais

Hoje fui doutor aqui
E muito fácil eu achei
Da moça bebi o xixi
E paga em dobro ganhei

No peito dos namorados
Paixão é patologia
E a cura da medicina
É um balde de água fria

Adeus até outro dia
Vamos daqui pra outras prendas
Outras praças e teatros
Cantar mais farsas e lendas.